Imensidões

Há imensidões de nós que na calada da noite são transcendências avulso...

Thursday, September 29, 2005

Da minha passagem

Existirão sempre passagens inertes de mim nos espaços que criei, nos pedaços de humanidade que em mim se resignaram à mortalidade dum corpo.
As folhas caem ao sabor de existências passadas, como que dançam, como que sabem também elas o que é o desfalecer. O tempo não é cinzento, não há nunvens de incessantes desesperos, não há espaços para tristezas súbitas, para pensamentos que não se materializaram, para palavras que não tomaram a fonética das vozes humanas. O tempo é da mais encantadora pacificidade, do mais tenaz conforto, é das cores que o céu pinta, não das imaginadas e sentidas.
Porque no meu funeral não há tempos para mágoas, para segundas possibilidades, para páginas com linhas ou quadrados, para letras à mão ou à máquina, há o que houve, o que foi, o que se arranjou.
E haverá sempre na fria pedra que me cobrir, o brilho de dias em que fui amante, ordinário, amigo, confidente, cabrão, fraco ou utópico, haverá sempre essa amálgama de marcas de mim, de passagens de mim, de faces de mim. Haverá sempre a presença, do que fui para cada um, gravada em relevo nos poros da minha pedra tumular, nos cantos e superfícies.
Existirá sempre o pó das articulações que me moveram, me transportam, me torturam e me deliciaram em jeitos de sexo, e também o pó das árvores e das pequenezas que me circundam.
E na lealdade que consome os pés que me visitam acontecerá o sorriso dum corpo que descansa.
E na possessão dum não saber o que virá depois surgirá o desgaste dum tempo de medos e incertezas, e haverá a bonança.
E assim na inconstância do que a vida efectivamente é, sento-me e aprecio o desempenho de teatros com personagens virtuosas, cépticas, ruins, fundamentais e guerreiras.
E no leito, onde se potencia a estadia dum gladiador, consome-se imagens e retalhos de devires.
E nos partires haverá sempre os ficares de algo que não se quis levar.
Não haverá flores de condolências, mas sim encontros de sempre. Não haverá recitais de palavras feitas e salvações e redenções esperadas, mas sim andares de conformidade e aceitações.
E quando a noite descer, quando o sol se eclipsar no seu sono de milénios, a poeira do que fui restará para certificar a multiplicidade de sentires que residem no mais pequeno ser.
Porque a humanidade do que sou, a excentricidade do que presenciei ressurgirá sempre nos olhos daqueles que criaram tudo possível.
No meu funeral haverá sempre tempos e termos, e minutos, e segundos que não encontram na terra o sustento da normalidade.

13 Comments:

  • At 10:01 AM, Blogger Dameuntango said…

    "No meu funeral haverá sempre tempos e termos, e minutos, e segundos que não encontram na terra o sustento da normalidade."

    Escreves com a alma...

     
  • At 7:59 PM, Blogger Fragmentos Betty Martins said…

    Olá Pedro

    Sempre a qualidade da tua escrita. Não deixes de escvever NUNCA!

    Muda de "canto" de caneta, papel ou teclado, o que tu quiseres!!!

    Mas esse interior... que é teu, não mudes! Por isso, não deixes de escrever!!!

    Um beijo grande

     
  • At 9:24 PM, Blogger Eli said…

    No meu funeral... sabes, já imaginei o meu... também não sei o que me falta imaginar! Afinal de contas passo a vida no mundo da lua sempre que posso.
    Mas essas coisas são imprevisíveis, assim como a morte que é um tabu maior do que o sexo e a religião.

     
  • At 12:13 AM, Blogger Margarida V said…

    já estas nos meus links para não te perder de vista e sempre que precisares de abraço aqui estou. :)

     
  • At 12:35 AM, Anonymous Anonymous said…

    Apaga o que vou escrever!doeu-me ler isto....sou assim,também me zango comigo,a sério!
    lua

     
  • At 12:08 PM, Anonymous Anonymous said…

    Bem escrito este seu texto, com profundidade. Cumprimentos.

     
  • At 2:38 PM, Anonymous Anonymous said…

    Novamente, surpreendes-me com a alma que prespassa cada palavra tua, na serenidade de um tema que é uma incógnita para todos, na sua certeza plena. Sempre pensei no meu funeral como uma festa e não com lágrimas, pois a serenidade do sorriso eternizado pelo tempo, deve-se à liberdade da nossa alma em rumo ao desconhecido. Brilhante, mais uma vez. Beijo doce para ti*

     
  • At 4:29 PM, Anonymous Anonymous said…

    tu és grande. como magníficas as palavras que traduzem um imenso sentir.
    fico maravilhada perante a dimensão da tua escrita, uma vez mais...

    e o final... está simplesmente: brutal!

    *

     
  • At 11:09 PM, Blogger Titá said…

    Excelente blog. Parabéns! Já adicionei aos favoritos...vou voltar

     
  • At 1:33 AM, Blogger Cari o Carina said…

    hola entre sin querer a tu blogger entendi poco de lo que escribiste pero igual me gusto

     
  • At 11:38 AM, Blogger Morfeu said…

    Uma passagem ou apenas o final. A tua visão sobre algo que poucos pensam de uma forma real e absoluta revela a pessoa diferente que és… com uma visão de um observador sereno do Mundo.
    O meu funeral...nunca o imaginei de fora...mas sim de dentro (vazio e escuro...um triste fim que não desejo).

    Um abraço e um bom fim-de-semana para ti "Deus do Sonho".

     
  • At 12:50 PM, Anonymous Anonymous said…

    oLÁ :)
    Vim ler-te, não por saber quem eras, mas para ver quem era o autor de tão carinhoso comentário.
    Copiei à pressa o texto para poder ler com atenção em casa e depois de o ler pensei: "Impressionante como há pessoas que escrevem de forma igualmente forte e profunda." Admito que também pensei que apesar de continuar a ter saudades tuas sempre tinha a oportunidade de conhecer outra pessoa igualmente interessante. "Igualmente interessante" é mesmo a palavra certo. Por enquanto o tempo disponível não me permite comentar mas continuo a seguir tudo com muita atenção. um grande beijinho e um suave recomeço. Pandora

     
  • At 4:36 PM, Blogger Unknown said…

    Olá amigo, és sempre o maior adoro ler o que escreves fico fascinada com os teus posts sempre com uma qualidade excepcional. Beijos

     

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