Imensidões

Há imensidões de nós que na calada da noite são transcendências avulso...

Sunday, November 27, 2005

Essência


Eu cheiro os pedaços de tempos levianos de prazer, sedentos de ternuras.
Noite fria e gélida, macabra, trazendo-me, querendo trazer-me memórias inexistentes de imagens tristes e enfadonhas.
Vou-me lembrar, vou tentar lembrar-me.
Ouço passos, uma porta a ranger, uma brisa não convidada perturba a chama da vela com que quis invadir este espaço. Eu sabia que eras tu, quase que apostaria o meu fígado a uma qualquer ave de rapina, e perante a ira dos Deuses, juraria a pés juntos que serias tu.
Peço-te que te sentes, por favor senta-te, há tanto para contar, há um role de pequenos retalhos de histórias (in)dependentes, aqui, cravados na garganta. Eu sei que não queres um curriculum vitae, queres, penso eu que queiras, somente ouvir-me.
Aqui vai, houve um dia, em que me chamei pelo nome que até então desconhecia.
Um dia em que nessa manhã, o meu corpo pedia banhos de água quente, pedia reconhecimentos próprios, descobertas já alcançadas, mas, o corpo pediu. O espaço estava frio, imagina esse frio… tão frio.
Parei aí, por segundos ou minutos, horas talvez, desconheço o significado de tempo agora. Revirei e folheei páginas já escritas, fotografias já tiradas, músicas já por mim ouvidas e tocadas, e percebi… O reconhecimento não era do próprio corpo pelo corpo ou pela agressividade sublime da água quente, pois esse, o meu corpo já eu conheço.
Era a essência, daquilo de que sou, daquilo que me transporta e comove. Estás a ouvir não estás? Se quiseres podes acender um cigarro, queres um dos meus? Só fumo Camel…
A minha essência… vou-te tentar contar, tentemos.
Em forma de prosa ou poema? Em forma de história ou relato? Diálogo ou monólogo?
Não sei… só sei que há tanto, tanto, mas tanto para descobrir aqui, e da minha essência só sei que sou sonhador, ambicioso, curioso, distraído, carinhoso, sensível, que estou em permanente mutação, metamorfose, porque algo não está presente. Gostaria de poder dizer que eras tu. Que eras, ou melhor és, o elo que falta. Mas sabes tão bem quanto eu que não. És só mais uma sombra presente nas células que me compõem e que agora se espelha perante mim. És só a essência de mim...
É as formas que tomo, o rosto que protejo, o corpo que movo, as ideias que defendo, o ideal que decidi. És a minha paixão pela vida, pelos livros e cinema, pelas pessoas, e pela música.
És a disforme presença a anos luz de compreensões dos meros gestos que retenho.
És o dançarino num tango sensual, onde o som são dos sussurros e gemidos.
És palavras, e semi-definições.
És a minha essência, percebes?
Somos uno, somos par, somos companheiros, amantes num mesmo leito, confidentes numa mesma língua.
Deita-te... vamos descansar, fechaste bem a porta, não fechaste? Não teremos frio, as aragens ficarão lá fora, os murmúrios reteremos nós, aqui, no escuro, ao som duma vela com visões de limão, no cheiro daquilo que nos compõe...
Houve um dia, em que me chamei pelo nome que até então desconhecia... homem.
Boa noite.

14 Comments:

  • At 1:21 PM, Blogger Unknown said…

    Meu querido amigo, a tua veia de escritor de mistério tá aqui demonstrada neste e em muitos dos teus escritos gosto de cá vir e ler com cuidado o que escreves. Beijos e continua

     
  • At 11:24 PM, Blogger AntropoLógica said…

    Notei mudanças, hoje. :)

    A tua escrita deixou o abstracto e escolheu uma história para contar. Normalmente revelas-te em sentimentos, como um pintor impressionista lançando as suas felicidades e amarguras sobre a tela. E quem te lê sente uma proximidade, sente o que é ser humano e amar, odiar, querer, perder, possuir, mas a história concreta fica oculta na bruma.

    Hoje, por entre a névoa, surge timidamente a narrativa. Real ou imaginária, ela está lá. E conserva intocada toda a força e beleza da tua escrita.

    Parabéns. :)

     
  • At 12:34 AM, Blogger Margarida V said…

    foi hoje que apareceste na tv? :)

     
  • At 7:26 PM, Blogger Eli said…

    Adorei.

    :)

     
  • At 7:35 PM, Blogger Eli said…

    Era para ficar pelo post anterior, pois resume tudo aquilo que te poderia dizer... nem a mais filosófica das dissertações valeria a pena!
    Mas, Pedro, voltei, porque tens estado ausente no meu livro de comentários... porque dantes eras uma presença constante a agora fico sem te "ver" por lá e pergunto "será que não gostas do que vês lá?!" mas a tua opinião é muito importante para mim, por isso, se não gostares, por favor, diz!
    Não tens que fazer nada... apenas queria que soubesses disto!
    :)

     
  • At 8:18 PM, Blogger Blogger said…

    Podia dizer mais uma vez (a somar a tantas outras!!) que escreves cada vez melhor, que tens um dom!... mas hoje vou ser cusca e perguntar directamente se, por mero acaso, um dia desta semana não foste um dos participantes do "Cofre" (é que pelas fotos eu fiquei com a nítida sensação de conhecer aquela cara, hoje passei por cá e... voilá!!! ;) )

    ****

     
  • At 8:52 PM, Blogger pedro barros said…

    "Não sei… só sei que há tanto, tanto, mas tanto para descobrir aqui" ...

    Um descobrir pelo que transmitirmos pelas palavras... que bom,que frutífero se torna.

    As tuas palavras.. que sejam o reconhecimento de ti.

    Um abraço
    Pedro Barros

     
  • At 9:30 PM, Blogger Walter said…

    Caro Dreamer...este é um post com nuances diferentes!Escreves com um sentimento e com uma força avassaladoras, mas isto já estou farto de te dizer! Escreves com alma, és um verdadeiro pianista das palavras!
    um abraço enorme!
    walter

    Ps- Sigo o cofre atentamente, e nao perdi nenhum à espera de ver o meu amigo na tv e esta semana q nao pude ver apareceste?!

     
  • At 10:46 AM, Blogger DT said…

    Amigo Pedro

    Creio que todo o tempo do mundo não seria suficiente para ti. O teu íntimo é demasiado grande para isso!

    Se o teu corpo não fosse humano, e como tal, muito limitado fisiologicamente, creio que serias capaz de escrever sem parar até ao fim da tua vida! E isto sem nunca perderes essa essência que torna a tua escrita tão singular.

    Abraço

     
  • At 1:50 PM, Anonymous Anonymous said…

    Na essência um bonito e profundo trabalho. Beijinhos.

     
  • At 9:58 PM, Blogger Morfeu said…

    O que poderei dizer...Estive a ler os últimos textos que não tinha lido/comentado e continuas a ser tu de uma forma única e especial, numa escrita distinta, nobre e romântica.
    Um abraço

     
  • At 11:15 PM, Blogger Fragmentos Betty Martins said…

    Querido Pedro

    Repito-me... a tua escrita - tem uma força sublime!

    Beijinhos

     
  • At 5:38 PM, Anonymous Anonymous said…

    Sentemo-nos e confessemos os fragmentos das nossas vidas...
    Texto muito pessoal*

    Gostei de ler, e do remate final :)

     
  • At 6:40 PM, Blogger Eli said…

    :)

    Obrigada.

     

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